segunda-feira, 25 de abril de 2011

Sutra de Lótus - Capítulo 1 - Introdução (parte1)

Olá caros leitores, compartilho com vocês a primeira parte do primeiro capítulo do Sutra de Lótus, que eu venho traduzindo para o português. Quem quiser usar esse texto para qualquer finalidade, fique a vontade, só peço que coloque o endereço do blog nos créditos! 

Enjoy it! 




Assim eu ouvi...
O Buda morava no monte Grdhrakuta (Pico do Abutre), perto da cidade da Casa dos Reis, junto com um grupo de Bhikshus (monges), doze mil ao todo. Todos eram Arhats (seguidores mais importantes) que haviam esgotado todos os escoamentos e não possuíam mais aflições.
Naquela ocasião, O Bem- Aventurado estava cercado pela Quádrupla Assembleia, presenteado com oferendas, honrado, venerado e rezado pelo bem dos Bodhisattvas (quem está em direção à iluminação).Ele expos um Sutra chamado Os Princípios Ilimitados, um Dharma para instruir os Bodhisattvas, os quais o Buda protege e é atento.
Depois que o Buda exprimiu esse Sutra, ele sentou-se na posição de lótus e entrou em Samadhi da Estação Emissora dos Princípios Ilimitados, com o corpo e a mente imóveis.
Naquela ocasião, uma chuva de flores de Mandarava, Mahamandarava, Manjushaka e Mahamanjushaka caíram do céu, as quais se dispersaram sobre o Buda e por toda a grande assembleia.
Todos os universos do Buda tremeram de seis formas diferentes.
Naquele dia, toda a grande assembleia de monges, e todos os outros seres alcançaram o que eles nunca haviam tido antes. Todos se encheram de contentamento e juntaram as palmas das mãos e, com um só coração, contemplaram o Buda.
Então o Buda emitiu de entre as sobrancelhas uma luz branca que iluminou dezoito mil mundos ao leste, omitindo nenhum deles, alcançando abaixo o inferno de Avichi e acima o céu de Akanishtha. A partir desse mundo foram vistos todos os seres vivos nos seis destinos, naquelas terras distantes, foram vistos todos os Budas presentes, todos os Sutras e o Dharma ensinado pelos Budas foram ouvidos.
Então o Bodhisattva Maitreya pensou: “Agora, o Honrado Pelo Mundo manifestou sinais de transformações espirituais. Qual a razão para esses presságios? Agora o Buda, o Honrado Pelo Mundo, entrou em Samadhi, embora esses sejam eventos raros e inconcebíveis. A quem devo perguntar em relação a eles? Quem poderia responder?”
Ele ainda pensou: "No passado, o Príncipe do Dharma, Manjushri, tinha se aproximado e feito oferendas aos Budas. Certamente, ele tem sido esses raros sinais. Eu agora devo perguntar a ele.”
Todos possuíam o mesmo pensamento: “Quem deveria ser questionado em relação à luz brilhante e aos sinais de penetração espiritual do Buda?”
Então, o Bodhisattva Maitreya desejando acabar com as suas próprias dúvidas, e os pensamentos da Quádrupla Assembleia, dos Bhikshus, das Bhikshunis e assim como os dos demais seres, questionou Manjushri como segue:
“Quais as razões para esses presságios, estes sinais de penetração espiritual, para a emanação dessa grande luz que ilumina dezoito mil mundos ao leste, de modo que os adornos em todos aqueles mundos de Buda são completamente vistos?”
Em seguida, o Bodhisattva Maitreya, desejando reafirmar o seu significado, falou versos perguntando:
 
"Manjushri, qual é a razão
Para a orientadora emanação do Mestre
Essa grande luz entre suas sobrancelhas
Que ilumina toda parte
e essa chuva de Mandaravas
e flores de Manjushaka,
a brisa perfumada de Chandana que
encanta o coração daqueles reunidos?
Através dessas causas e condições,
a terra está toda adornada e pura,
e dentro desse mundo, a terra
se estremece em seis modos diferentes.
Em seguida, a Quádrupla Assembleia
alegra-se por completo;
com o corpo e mente em deleite,
eles obtêm o que nunca tinham tido.

A luz brilhante vinda do meio das sobrancelhas
brilha no quadrante leste,
causando dezoito mil terras
para todas se tornarem de cor dourada
E do inferno de Avichi,
para cima, para o pico do ser,
dentro de cada um dos mundos são vistos
os seres nos seis caminhos,
seus destinos em nascimento e morte,
suas condições cármicas, bem ou mal,
suas retribuições, favoráveis ou más -
tudo isso é visto, aqui.

São vistos todos os Budas,
os leões, e os mestres sabiamente,
expondo sobre as escrituras do Sutra,
momento de sutileza e maravilhas.
Limpo e puro é o som
de suas suaves, complacente vozes,
ensinando para todos os Bodhisattvas,
numerosos, nas incontáveis casas dos milhões.
O som de Brahma, profundo e maravilhoso,
preenche aqueles que ouvem com alegria
como, dentro de seu mundo, cada um proclamasse o Dharma correto.
Através de várias causas e condições,
e de analogias ilimitadas,
eles clarificam o Dharma de Buda
para iluminar os seres vivos.

Para aqueles que já encontraram sofrimento,
cansado de doenças, envelhecimento, morte,
eles falam sobre o Nirvana,
o que traz fim à todos os sofrimentos.
Para os possuidores de bênçãos, os quais
fizeram oferendas aos Budas passados e
resolveram procurar o Dharma superior
eles falam sobre Iluminação e condições.
Para aqueles que são filhos de Buda,
os quais cultivam diversas práticas,
procurando a sabedoria insuperável,
eles falam sobre o caminho da pureza.

Manjushri, enquanto habito esse lugar,
eu vejo e ouço coisas como essas,
alcançando um milhar de milhão de coisas;
tal multiplicidade delas
eu devo explicar agora sucintamente.

Eu vejo outras terras,
Bodhisattvas como as areias do Ganges,
através de várias causas e condições
procurando o Caminho do Buda.

Talvez eles pratiquem como se presenteassem
com prata, ouro e coral de verdadeiras pérolas,
e de mani, madrepérola, carneliana,
de vajra (diamante) e outras pedras preciosas,
com serviçais e carruagens,
e palanquins cravados de joias.
Isto eles oferecem com alegria,
em dedicação ao Caminho do Buda,
jurando obter o Veículo Principal
no reino triplo,
o qual cada um dos Budas enaltece.
Há Bodhisattvas que dão carruagens
tracionadas por quatro cavalos,
com trilhos e toldos floridos,
ricamente ornamentadas.
Mais uma vez são vistos Bodhisattvas
que dão a sua carne, mãos e pés,
que até mesmo dão suas esposas e filhos,
buscando o Caminho máximo.
Novamente são vistos Bodhisattvas
cujas cabeças, olhos e corpos inteiros
são oferecidos com a maior alegria,
em busca da sabedoria do Buda.

Manjushri,
Eu vejo monarcas reais que
visitando os tribunais dos Budas
perguntam sobre o Caminho máximo,
e, em seguida, abandonam suas terras agradáveis,
palácios, ministros, concubinas,
e, cortando suas barbas e cabelos,
se vestem com as túnicas do Dharma.

São vistos Bodhisattvas que
tornando-se monges, residem sozinhos
junto à natureza, na quietude,
recitando os Sutras com alegria.

Mais uma vez são vistos Bodhisattvas,
lutando com determinação heroica,
entrando nas profundezas das montanhas,
para refletir sobre o Caminho do Buda.

Vistos, também, são aqueles que já abandonaram o desejo,
que habitam na solidão constante,
profundamente cultivando o Dhyana Samadhi
e atingindo as cinco penetrações espirituais.
Mais uma vez são vistos Bodhisattvas
na paz de Dhyana, com as palmas unidas,
que, com dez mil linhas,
cantam os louvores dos reis do Dharma.


Mais uma vez são vistos Bodhisattvas,
de sabedoria profunda e sólida vontade,
capazes de questionar os Budas e
aceitar e dominar tudo o que ouviram.

Outros discípulos de Buda são vistos,
com sabedoria e Samadhi perfeito,
que, com analogias ilimitadas,
pregam o Dharma para as multidões.
Alegremente eles pregam o Dharma,
transformando todos os Bodhisattvas,
derrotando, assim, as tropas de Mara,
e fazendo ressoar o tambor do Dharma.

Também são vistos Bodhisattvas
em silêncio e tranquilidade;
embora adorados pelos deuses e dragões,
eles não encontram nisso, motivo de alegria.
Também são vistos Bodhisattvas
habitando em florestas, emitindo luzes,
aliviando aqueles que sofrem nos infernos,
e levando-os para o Caminho do Buda.

São vistos, também, os discípulos do Buda
os quais não dormiram, mas andam à vontade,
dentro da floresta e bosques, pois eles procuram
com diligência o Caminho do Buda.

Também são vistos aqueles que possuem preceitos perfeitos e
intactos, com forma inspiradora,
e puros como pérolas preciosas,
com as quais eles buscam o Caminho do Buda.

Também são vistos os discípulos do Buda
perseverando na força da paciência;
ainda que por aqueles de arrogância orgulhosa,
maliciosamente repreendidos e espancados,
eles são capazes de suportar tudo isso,
buscando o Caminho do Buda.

Mais uma vez são vistos Bodhisattvas,
independente de todas as frivolidades,
e de seguidores estúpidos,
aproximam-se com sabedoria.
Resolutos, expulsando a confusão,
recolhendo os seus pensamentos nas florestas montanhosas,
por dezenas de milhares de milhões de anos
em busca do Caminho do Buda.

Bodhisattvas são vistos,
que, com boa comida e bebida, e com
uma centena de tipos de caldos e ervas,
fazem oferendas ao Buda e a Comunidade dos Discípulos.


Quem, com vestes finas e vestuário superior,
de valor na casa dos milhões,
ou com vestes valiosas,
fazem oferendas ao Buda e a Comunidade de Discípulos.
Quem, com um milhão de tipos diferentes
de habitações feitas de preciosos sândalos
e com ótimos dormitórios,
fazem oferendas ao Buda e a Comunidade de Discípulos.
Quem, com jardins e bosques, limpos e puros,
com flores e frutos em abundância,
com nascentes e lagos de banho,
fazem oferendas ao Buda e a Comunidade de Discípulos.
Ofertas como essas,
de muitas variedades, extremamente finas,
eles dão com alegria incansável,
buscando o Caminho Máximo.

Há Bodhisattvas que
falam do Dharma da extinção
com várias instruções, ensinando
seres vivos, incontavelmente.
São vistos Bodhisattvas que
contemplam todos os Dharmas da natureza
ausentes da distinção da dualidade,
como o espaço vazio.
Também são vistos discípulos do Buda
cujas mentes não têm apegos e
que usam esta sabedoria maravilhosa,
buscando a Caminho Máximo.

Manjushri,
Novamente, existem Bodhisattvas que,
após os Budas entrarem em extinção,
fazem oferendas aos Shariras (corpos).
Mais uma vez são vistos discípulos do Buddha,
construindo estupas, construindo templos,
incontáveis como as areias do Ganges,
para enfeitar os reinos e terras.
Os estupas enfeitados com joias, altos e finos,
possuem cinco mil yojanas de altura,
dois mil yojanas de largura.
Cada estupa e templo é decorado
com milhares de cortinas e bandeiras,
circulando ao seu redor, e feitos com pedras preciosas,
e sinos enfeitados que harmoniosamente badalam.


Todos os deuses, dragões e espíritos,
seres humanos e não humanos,
com incensos, flores e instrumentos musicais,
constantemente fazem oferendas.
Manjushri,
Todos os discípulos dos Budas,
adornam as estupas e os santuários
fazendo oferenda aos Shariras;
espontaneamente, os reinos e terras
estão soberbamente formosos e requintados,
como o rei das árvores celestes
quando suas flores florescem.

O Buda emite adiante esse único raio,
e eu e aqueles reunidos aqui
avistamos dentro desses reinos e terras,
as diversas maravilhas especiais.
O poder espiritual dos Budas
e sua sabedoria são as mais raras,
emitindo uma luz, única e pura,
Eles podem iluminar terras ilimitadas.
Vendo isto, todos nós
obtemos o que nunca tivemos.
O Discípulo do Buda, Manju,
ora e soluciona as dúvidas da assembleia.

A Quádrupla Assembleia, com alegria
olha para você, humano, e para mim.
Por que o Honrado pelo Mundo
emitiu uma luz tão brilhante?
Discípulo do Buda, responda agora;
resolva nossas dúvidas, para que possamos nos alegrar.
Qual benefício é para ser adquirido
ao colocar adiante essa luz brilhante?
Aquele maravilhoso Dharma o Buda ganhou
conforme ele se sentou no campo do Caminho -
Será que ele deseja, agora, pregá-lo?
ou será que ele dará previsões?
As manifestações das terras do Buda,
adornadas com muitas joias, e puras,
bem como a visão dos Budas
não sinalizam condições de pequeno porte.
Manju, isso deve ser conhecido,
as quatro assembleias, dragões e espíritos,
olham para você, humano, esperançosamente;
o que é isso, para a ser dito?


sexta-feira, 22 de abril de 2011

O Sutra de Lótus

O Sutra de Lótus é com certeza um dos mais importantes dentre todos os Sutras. Ou até mesmo, o mais importante, e essa afirmação toma sustentação nas próprias palavras do Buda, que falou: “Dentre os sutras, Este é o Rei soberano”.
Mas o que é um Sutra?

No budismo, Sutra, que em sânscrito significa discussão, não considerando o aspecto negativo da palavra, foi o nome dado originalmente apenas para os sermões do Buda histórico. Esses sutras foram recitados da memória de Ananda, discípulo do Buda no Primeiro Concílio Budista. Alguns outros Sutras foram escritos alguns séculos após a morte do Buda.

O Sutra de Lótus se apresenta como um discurso proferido pelo Buda a respeito do fim de sua vida. Ele é dividido em 28 capítulos, dos quais o Capítulo 16 é especialmente importante por trazer Sakyamuni como a personificação da vida eterna, e como tendo atingido a iluminação em um passado inconcebivelmente remoto.

Existem basicamente sete parábolas no Sutra, como: os três carros e a casa em chamas, o homem rico e seu filho pobre, os três tipos de ervas medicinais e os dois tipos de árvores, a cidade fantasma e a terra do tesouro, etc. Muitas vezes encontramos referências ao sétimo paramita ou a perfeição de um Bodhisattva.

Este Sutra, conhecido por sua extensa instrução sobre o conceito e o uso dos meios hábeis - (em sânscrito: upaya e em japonês: Hoben), introduz a ideia de que o Buda é uma entidade eterna, que atingiu o nirvana eras atrás, mas voluntariamente optou por permanecer no ciclo de nascimentos e mortes, a roda do samsara, para ajudar a ensinar aos seres o  Dharma. Ele se revela como o "pai deste mundo", de todos os seres e evidencia o carinho de um pai tão justo. Além disso, o Sutra indica que mesmo após o Parinirvana (morte física aparente) de um Buda, Ele continua a ser real e capaz de se comunicar com o mundo.

A ideia de que a morte física de um Buda é o fim deste Buda, é graficamente refutada pelo desenvolvimento e do significado da Escritura, no momento em que outro Buda, que existiu muito tempo antes, aparece e se comunica com Sakyamuni. Na visão do Sutra de Lótus, em última análise, os Budas são imortais.

O Sutra de Lótus é um trabalho de grande mérito literário, por conter essas muitas seções de versos e parábolas. Além disso, ele traz o conceito budista mais profundo do Veículo Único, ou seja, sobre a Natureza de Buda que todos nós podemos alcançar, e isso teve uma influência imensurável sobre o desenvolvimento do Budismo Mahayana. O Sutra é o texto principal da Escola Tien Tai no budismo chinês, e da Escola Nichiren no budismo japonês.

Muitas pessoas recitam esse Sutra e nem fazem ideia do que estão recitando, apesar disso não diminuir sua eficácia, porém, seria ótimo se todos conhecessem o ensino que há por trás do Sutra, não somente dos capítulos Hoben e Juryo, mas de todo o Sutra.
Por todos esses motivos, eu vou publicar aqui nesse blog todos os capítulos do Sutra de Lótus em português, traduzidos por mim, o trabalho será grande, mas gratificante.

Acompanhem aqui!!

sexta-feira, 15 de abril de 2011

Perguntas e respostas.


“Como surgiram o universo e os seres? Quando será o fim do mundo? Existe vida após a morte? Para onde vai a nossa alma? ...”

São perguntas que constantemente ouvimos e quase sempre geram polêmica, por mexerem com a fé individual, crenças ou até mesmo a descrença. Ao longo dos séculos essas perguntas foram repetidas, perseguidas e respondidas em exaustão, de diversas maneiras diferentes, porém, surgiram pelos mesmos motivos, ou seja, devido às necessidades de salvação por aqueles que tentam encontrar suas respostas. Não há erro em procurar respostas, o grande problema está em perder-se nesse caminho. Aproveitando uma frase que eu escrevi no post anterior, onde eu disse que “a religião tende muitas vezes a querer responder essas grandes questões (da existência da humanidade)”, darei continuidade a essa linha de raciocínio.

Sim, até os dias atuais essa é uma das características das religiões, mas a sociedade moderna vem gradativamente jogando essa responsabilidade para a ciência, graças aos progressos tecnológicos das últimas décadas, porém, muitas vezes, nem a ciência atual com toda a tecnologia e métodos consegue respondê-las, e não admitindo esses fracassos, os homens criam diversas “teorias”, baseadas em situações hipotéticas.

Mas há uma diferença entre ambas, a ciência não busca o céu, e a religião o faz, apegando-se a personalidade, buscando no céu os prazeres da personalidade. Agindo dessa forma, jamais será encontrado o que tanto procuram. Toda preocupação com a personalidade e com todas as atribulações que a afetam, são em vão, pois são passageiras, e se desvanecem quando encontramos a Verdade, pois a personalidade é impermanente.

Mas o budismo, responde essas questões?

Sim, muitas dessas perguntas foram respondidas diretamente ou através de parábolas pelo próprio Buda, mas nem de longe elas são a preocupação central ou o foco da Doutrina, como deixei claro também no último post, e também não serão a minha.

Buda pregava que uma vez adquirida à consciência, o ser jamais a perderia, jamais retrocederia na caminhada da evolução, ou seja, um homem não renasceria mais como animal, vegetal ou mineral. Baseando-se nisso, um amigo, ainda preocupado em sanar todas as preocupações de sua personalidade, me perguntou:

“Se nós podemos admitir que a consciência do homem possa vir a evoluir mais, assim como ocorreu com os nossos antepassados primitivos mais recentes, isso significaria que nós não somos os últimos habitantes desse planeta, muito menos o estágio final da evolução da consciência. Como ficaria a doutrina budista, já que essa é baseada na mente humana?”

Veja como é possível alguém se preocupar tanto com fatos futuros, surrealistas, que estão muito além do nosso alcance, que nem sabemos se acontecerão ou não. E nessa introspecção, a pessoa, alimentando sua personalidade, vive o futuro, esquecendo completamente o presente, o momento com o qual nós realmente temos forças para mudar, tentando encontrar a felicidade através das respostas para todas as dúvidas e medos que afligem e inquietam sua personalidade, entretanto, aquele que assim age e vive, dominado pela ilusão da personalidade, confundindo mente e corpo com o eu, jamais irá encontrá-la, pois assim como um homem que nunca está satisfeito com o bem que acabou de adquirir, sempre pensando em qual será o próximo, assim aquele morrerá antes de encontrar todas as respostas do universo que satisfaçam suas dúvidas existenciais.

De uma coisa nós já sabemos, a evolução da consciência humana e sua capacidade de realização, junto de toda a revolução tecnológica que estas trouxeram, não acompanham o caminho espiritual, pelo contrário, andam em sua contramão.

Desde quando a evolução da inteligência humana, fez com que o homem abandonasse seus instintos mais primitivos? Ou abandonasse seus desejos e crimes? Ambição? Ira? Orgulho? Desde quando ela trouxe felicidade? Paz? Liberdade?

Porém, uma coisa é certa, se todos os seres evoluíssem ao ponto de procederem de uma forma que não lhes trouxessem males e sofrimentos, longe das más ações, realizando sua revolução humana e por consequência o Kossen-Rufu, então o Buda atingiria a sua meta em plenitude.

Para aqueles que não compreenderam o intuito desse post, deixo aqui uma história:

Certa ocasião, Buda estava no bosque de Jeta, junto à cidade de Saravasti. Um monge, de nome Malunkya, aproximou-se com ar preocupado. Ele se afligia com o fato do Buda jamais responder às seguintes questões, bastantes discutidas na época:

 - O mundo é finito ou infinito?

- Corpo e espírito são uma coisa só ou duas coisas separadas?

- Existe vida depois da morte?

Malunkya, que gostava de filosofia, estava bastante aborrecido por Buda não tratar dessas questões e disse-lhe então:

- Ó Perfeito! Se não responderes às minhas dúvidas, deixarei a comunidade e voltarei a vida mundana.

Buda respondeu-lhe o seguinte:

- Malunkya: certa vez um homem foi ferido por uma flecha envenenada. Os amigos correram a buscar um médico, mas o ferido disse que só consentiria que lhe extraíssem a flecha e o tratassem depois de lhe explicarem quem a atirara, de que casta este pertencia, com que arco a flecha fora lançada, qual sua forma, etc. Que terá acontecido a ele? Certamente há de ter morrido antes de ver esclarecidas suas dúvidas. Da mesma forma, Malunkya, respostas a cerca do caráter finito ou infinito do universo, da natureza da alma, etc. não nos libertam do sofrimento. Precisamos libertar-nos do sofrimento nesta mesma vida. Por isso, não te preocupes com as questões que não ensino. Preocupa-te com as que ensino, que são: a Existência do Sofrimento, a Origem do Sofrimento, a Cessação do Sofrimento e o Caminho da Cessação do Sofrimento.

Perseguir tais questões, caro leitor, é como descobrir nesse momento que seu corpo utiliza 300 músculos para manter o equilíbrio quando você está parado em pé. Você já passou horas em pé ao longo de sua vida sem saber disso, e passará mais inúmeras horas, porém, agora, sabendo disso, e nada irá mudar. Isso não trará fim ao seu sofrimento e muito menos te libertará da roda da Samsara.

Paz a todos!

sábado, 2 de abril de 2011

Budismo é religião?

  



  
  

Sempre que pesquisamos sobre as “religiões do mundo” com certeza encontramos em todas essas listas o budismo. Porém, isso faz do budismo uma religião? Isso significa então, que só porque eu sou budista, eu sou uma pessoa religiosa?  Como eu disse no último post, há uma dificuldade em definir o que é o budismo. Eu posso muito bem, por exemplo, dizer que o budismo é psicologia, uma ciência da mente, que nos leva ao nosso verdadeiro eu interior, explorando nossas maneiras de pensar, sentir ou agir. Dando-nos vários ensinamentos e doutrinas de como a nossa mente funciona e como ela deve se comportar, para não engendrar o sofrimento. Grande exemplo disso pode ser encontrado no Dharmapada, em um famoso ensinamento do Buda, que diz: 

    Tudo o que nós somos é resultado do que nós pensamos no passado: tudo o que nós somos se baseia em nossos pensamentos e é formado por nossos pensamentos. Se alguém fala ou age com um mau pensamento, o sofrimento o acompanha assim como a carreta segue os passos do boi que a puxa.

     Tudo o que nós somos é resultado do que nós pensamos no passado: tudo o que nós somos se baseia em nossos pensamentos e é formado por nossos pensamentos. Se alguém fala ou age com pensamento puro, a felicidade o acompanha assim como sua própria sombra nunca se afasta dele.

    Seguindo esse raciocínio, eu também posso dizer que o budismo é uma filosofia de vida, que maximiza as nossas chances de felicidade, diminuindo nossos apegos, aumentando nossa compaixão, fazendo de nós, seres menos egoístas, ignorantes, orgulhosos e ambiciosos. O primeiro estágio, geralmente, de quem está conhecendo ou iniciando o estudo do budismo, é o estágio de erudição ou absorção, e mesmo não sendo essa a forma mais correta de dar o ponta pé inicial, mudanças na filosofia do indivíduo são vistas, e esse fato ocorre simplesmente porque o estudo do budismo acompanha a prática, aliás, o estudo é um dos alicerces que serve de base sustentando o tripé do budismo: Fé, Prática e Estudo, sendo esses, inseparáveis.
    Depois de renunciar suas riquezas, abandonar sua família, e por anos refletir sobre diversas crenças e práticas, inclusive submeter-se ao ascetismo, Siddhartha abandonou todos os conceitos que ele possuía sobre sua caminhada espiritual, e nesse momento, no fim de sua jornada, sozinho, possuindo apenas sua mente aberta e curiosa, descobriu o que tanto procurava - a grande mente da Iluminação, o estado de Buda, o Sábio viu as quatro nobres verdades que mostraram o caminho do Nirvana e o aniquilamento da personalidade. Acordando de toda a confusão, Ele viu além de todos os sistemas das crenças, a realidade profunda da própria mente - um estado de consciência clara de suprema felicidade. Junto com esse conhecimento veio à compreensão de como levar uma vida significativa e compassiva. Nos 45 anos seguintes, o Buda ensinou como trabalhar a mente, como olhar para ela, como livrá-la de mal-entendidos, e como perceber a grandeza do seu potencial.

    Esses ensinamentos, ainda hoje, descrevem uma jornada profundamente pessoal, interna, que é espiritual, sim, mas não religiosa. Buda não era um deus, Ele nunca afirmou ser onipotente, Ele também não era filho de nenhum deus ou algum tipo de mensageiro divino. Buda nunca sequer se auto intitulou como um salvador, ou obrigou alguém a segui-lo, ou adorá-lo, para atingir a “salvação”. Todos nós temos o estado de Buda, só cabe a nós desenvolvê-lo, e assim atingir a Iluminação. Você não é obrigado a ter mais fé no Buda do que em você mesmo. Seu poder está em seus ensinamentos, que nos mostram como trabalhar com as nossas mentes para percebermos a nossa plena capacidade de vigília e felicidade. Estes ensinamentos satisfazem a nossa busca da Verdade - a nossa necessidade de saber quem nós realmente somos.




    Quando começamos, trazemos uma mente aberta, curiosa, e cética em relação a tudo que ouvimos falar e lemos, nesse estágio de erudição já mencionado, que se apresenta como a Verdade. Depois a analisaremos com a nossa razão, e em seguida é que a colocamos à prova introduzindo a meditação em nossas vidas.
Conforme desenvolvemos “insight” sobre o funcionamento da mente, aprendemos a reconhecer e a lidar com as nossas experiências do dia-a-dia de pensamentos e emoções. Nós descobrimos hábitos imprecisos e inúteis de pensar e começamos a corrigi-los de forma bem natural. Eventualmente, nós somos capazes de superar a confusão que dificulta a visão da consciência naturalmente brilhante da mente. Nesse sentido, os ensinamentos do Buda são um método de investigação, ou uma ciência da mente.

    A religião, por outro lado, tende muitas vezes a nos dar respostas às grandes questões da vida desde o início. Se preocupando em explicar como o universo foi criado, como surgiu o nosso planeta, a imortalidade da alma e etc. Eis aí a grande diferença. Se nos relacionarmos com os ensinamentos do Buda como respostas finais que não precisam ser examinadas, então estamos praticando o budismo como uma religião.

    Nas palavras do Bem-Aventurado:

    Não acrediteis numa coisa apenas por ouvir dizer. Não acrediteis na fé das tradições só porque foram transmitidas por longas gerações. Não acrediteis numa coisa só porque é dita e repetida por muita gente. Não acrediteis numa coisa só pelo testemunho de um sábio antigo. Não acrediteis numa coisa só porque as probabilidades a favorecem ou porque um longo hábito vos leva a tê-la por verdadeira. Não acrediteis no que imaginastes, pensando que um ser superior a revelou. Não acrediteis em coisa alguma apenas pela autoridade dos mais velhos ou dos vossos instrutores. Mas, aquilo que por vós mesmos experimentastes, provastes e reconhecestes verdadeiro, aquilo que corresponde ao vosso bem e ao bem dos outros – isso deveis aceitar, e por isso moldar a vossa conduta.

    Em qualquer caso, ainda temos que viver nossas vidas e enfrentar como vamos fazer isso. Nós não escaparemos da Roda da Samsara só porque adotamos uma "filosofia de vida", isso porque nós somos desafiados todos os dias para escolher uma ação sobre outra - a bondade ou a indiferença, o egoísmo ou generosidade, paciência ou culpa. Quando as nossas decisões e ações refletem o conhecimento que adquirimos ao trabalhar com as nossas mentes, é nesse ponto que estamos adotando o budismo como uma forma de vida.

    Nós preferimos usar as nossas "máscaras", simplesmente porque não estamos acostumados à luz de nossas mentes, nem preparados para concebê-la. Os ensinamentos do Buda, não importa como nós os identificamos, nos mostram como abrir nossos olhos para o brilhantismo.

    O Buda é como um grande rio. Tumultuado pelo tropel de cavalos e elefantes e agitado pelos movimentos dos peixes e das tartarugas; mas sua corrente flui pura e imperturbável com tais insignificâncias. Os peixes e tartarugas de outras doutrinas nadam em suas profundezas e arremetem-se contra sua corrente, mas em vão; o Dharma de Buda continua a fluir puro e imperturbável.

quarta-feira, 30 de março de 2011

Introdução ao blog e ao budismo.


    
    Caro leitor, praticante do budismo, de longas datas ou iniciante, não praticante ou curioso, cético ou estudioso, seja bem-vindo ao Buda na Net.
 
    Como este é o primeiro post desse blog, não há nada mais justo do que deixar claro o que o mesmo almeja. Porém, a priori, gostaria de dar algumas rápidas pinceladas sobre o budismo, digo “rápidas pinceladas”, pois seria uma tarefa impossível, ou até mesmo ingenuidade, tentar escrever sobre 2500 anos de história e tradições em um único livro, quem dirá em um único post. Caso você não compreenda alguma coisa, não se preocupe, a abordagem se aprofundará gradativamente nos próximos posts. Tendo isso em mente, vamos começar.

    O budismo é um caminho de prática e desenvolvimento espiritual, que leva à visão da verdadeira natureza da mente. Práticas budistas são meios de mudar a si mesmo a fim de desenvolver as qualidades de bondade, consciência, concentração e sabedoria.  Essas práticas variam de acordo com as escolas que se adaptaram às necessidades locais (as principais tradições são: Theravada, Zen ou Ch’an, Terra Pura, Budismo Tibetano e Budismo de Nitiren Daishonin).  
    
    As experiências desenvolvidas dentro das tradições budistas, durante milhares de anos, criaram um recurso inigualável para todos aqueles que desejam seguir o caminho da Verdade - um caminho que, em última análise, culmina com a Iluminação ou o estado de Buda que melhor pode ser descrita como: “a total consciência e discernimento para a verdadeira natureza das coisas, sessando nossos apegos e desejos, e por consequência, nosso sofrimento, guiando-nos para a verdadeira felicidade”.

     Toda essa tradição budista surgiu a partir dos ensinamentos do Buda Sakyamuni, um ser humano como nós, que por meio da prática e por seu esforço atingiu a Iluminação ou estado de Buda. Ele, Siddhartha Gautama, como era chamado antes de atingir a Iluminação, foi príncipe de um antigo império que existia no norte da índia, e renunciou todas as suas riquezas para libertar-se de seu próprio descontentamento e dúvidas persistentes sobre o que ele ouvia, dia após dia de seus pais, professores e sacerdotes. Embora fosse um príncipe nascido em uma família rica e poderosa, o jovem Siddhartha muitas vezes, apenas queria ficar longe de tudo. Ele queria espaço para pensar de forma independente sobre quem ele era e qual seria o caminho espiritual, ele estava determinado a encontrar respostas às perguntas mais intrigantes da vida. E constantemente pensava: “Nascemos para o mundo só para sofrer, envelhecer e morrer? Qual é o significado de tudo isso?” Tal pensamento livre foi importante para a busca da sua Verdade interior e sua realização final, a Iluminação, e dessa forma livrar os homens do sofrimento.
  
     
     O ensinamento do Buda chamado de Dharma ou Dhamma, a Verdade, é composto pelo nobre caminho óctuplo, pelas quatro nobres verdades e os Três Tesouros, sendo esses o Buda (Buddha) (o Desperto ou o Iluminado), o Dharma (a Lei ou a Doutrina) e o Samgha (a Comunidade dos Discípulos). É se apoiando nos Três Tesouros alcança-se a energia e disposição para mudar o que pode ser modificado. A Verdade que o Buda prega não foi criada ou inventada por ele, a própria Verdade criou a Verdade. O Buda só a descobriu e sabendo que essas verdades são insofismáveis, Ele prega o Dharma a todos. A Verdade é sempre Verdade, quer um Buda surja no mundo ou não. Inexorável e imutável Ela sempre esteve aqui e sempre estará.

    A tradição e a essência do budismo transcendem todos os aspectos que tentamos lhes atribuir.  Por isso, muitas vezes encontramos certa dificuldade em discernir se o budismo é religião, filosofia ou psicologia. Não devemos, no entanto, nos apegarmos a essa preocupação, pois o budismo é experiência, tem que ser praticado e vivido. Ele abrange todos esses aspectos e vai além.

    Agora meu caro leitor que já demos uma rápida pincelada sobre o que é budismo, vamos falar sobre o que almejo com esse blog. Existem diversos blogs e sites budistas que possuem ensinos valiosíssimos e devemos ser gratos para com todas as pessoas que dedicam seu tempo publicando e propagando a Lei. Porém, o problema é que essas informações estão espalhadas em todo canto e muitas vezes encontram-se em outros idiomas. A minha ideia é concentrar todos os ensinamentos do Buda em um só local, de forma extremamente fiel às suas palavras, sem deturpações de vertentes simplórias, essas que surgiram ao longo do tempo, alterando os ensinamentos do Bem-aventurado, simplesmente para “atrair” adeptos, tornando a doutrina flexível demais e assim, sendo necessária uma autodisciplina menor.

    Além de tentar organizar os ensinamentos, escrevê-los de forma que pessoas leigas possam compreendê-los e compartilhar meus estudos, gosto da ideia de estar contribuindo para a propagação da Lei, ou até mesmo o Kossen-rufu.

    A clareza da doutrina do Buda é simples e todos ficam encantados a primeira vista, porém, quando se aprofundam nela, encontram muitas questões em que seus preconceitos quase filosóficos da mente Ocidental, não estão prontos para conhecer, e nesse ponto, muitos abandonam a Doutrina ou simplesmente tentam mudá-la, fato que já ocorreu diversas vezes no transcorrer da história. Portanto, quem está estudando o budismo deve deixar suas ideias pré-concebidas de lado, senão seu estudo não será frutífero.
     
     Lembre-se: O budismo é a doutrina do questionamento, é comum estarmos sempre questionando, porém não devemos deixar que isso se torne um fardo. Devemos praticar, praticar, praticar... 

Paz a todos os seres.