sábado, 2 de abril de 2011

Budismo é religião?

  



  
  

Sempre que pesquisamos sobre as “religiões do mundo” com certeza encontramos em todas essas listas o budismo. Porém, isso faz do budismo uma religião? Isso significa então, que só porque eu sou budista, eu sou uma pessoa religiosa?  Como eu disse no último post, há uma dificuldade em definir o que é o budismo. Eu posso muito bem, por exemplo, dizer que o budismo é psicologia, uma ciência da mente, que nos leva ao nosso verdadeiro eu interior, explorando nossas maneiras de pensar, sentir ou agir. Dando-nos vários ensinamentos e doutrinas de como a nossa mente funciona e como ela deve se comportar, para não engendrar o sofrimento. Grande exemplo disso pode ser encontrado no Dharmapada, em um famoso ensinamento do Buda, que diz: 

    Tudo o que nós somos é resultado do que nós pensamos no passado: tudo o que nós somos se baseia em nossos pensamentos e é formado por nossos pensamentos. Se alguém fala ou age com um mau pensamento, o sofrimento o acompanha assim como a carreta segue os passos do boi que a puxa.

     Tudo o que nós somos é resultado do que nós pensamos no passado: tudo o que nós somos se baseia em nossos pensamentos e é formado por nossos pensamentos. Se alguém fala ou age com pensamento puro, a felicidade o acompanha assim como sua própria sombra nunca se afasta dele.

    Seguindo esse raciocínio, eu também posso dizer que o budismo é uma filosofia de vida, que maximiza as nossas chances de felicidade, diminuindo nossos apegos, aumentando nossa compaixão, fazendo de nós, seres menos egoístas, ignorantes, orgulhosos e ambiciosos. O primeiro estágio, geralmente, de quem está conhecendo ou iniciando o estudo do budismo, é o estágio de erudição ou absorção, e mesmo não sendo essa a forma mais correta de dar o ponta pé inicial, mudanças na filosofia do indivíduo são vistas, e esse fato ocorre simplesmente porque o estudo do budismo acompanha a prática, aliás, o estudo é um dos alicerces que serve de base sustentando o tripé do budismo: Fé, Prática e Estudo, sendo esses, inseparáveis.
    Depois de renunciar suas riquezas, abandonar sua família, e por anos refletir sobre diversas crenças e práticas, inclusive submeter-se ao ascetismo, Siddhartha abandonou todos os conceitos que ele possuía sobre sua caminhada espiritual, e nesse momento, no fim de sua jornada, sozinho, possuindo apenas sua mente aberta e curiosa, descobriu o que tanto procurava - a grande mente da Iluminação, o estado de Buda, o Sábio viu as quatro nobres verdades que mostraram o caminho do Nirvana e o aniquilamento da personalidade. Acordando de toda a confusão, Ele viu além de todos os sistemas das crenças, a realidade profunda da própria mente - um estado de consciência clara de suprema felicidade. Junto com esse conhecimento veio à compreensão de como levar uma vida significativa e compassiva. Nos 45 anos seguintes, o Buda ensinou como trabalhar a mente, como olhar para ela, como livrá-la de mal-entendidos, e como perceber a grandeza do seu potencial.

    Esses ensinamentos, ainda hoje, descrevem uma jornada profundamente pessoal, interna, que é espiritual, sim, mas não religiosa. Buda não era um deus, Ele nunca afirmou ser onipotente, Ele também não era filho de nenhum deus ou algum tipo de mensageiro divino. Buda nunca sequer se auto intitulou como um salvador, ou obrigou alguém a segui-lo, ou adorá-lo, para atingir a “salvação”. Todos nós temos o estado de Buda, só cabe a nós desenvolvê-lo, e assim atingir a Iluminação. Você não é obrigado a ter mais fé no Buda do que em você mesmo. Seu poder está em seus ensinamentos, que nos mostram como trabalhar com as nossas mentes para percebermos a nossa plena capacidade de vigília e felicidade. Estes ensinamentos satisfazem a nossa busca da Verdade - a nossa necessidade de saber quem nós realmente somos.




    Quando começamos, trazemos uma mente aberta, curiosa, e cética em relação a tudo que ouvimos falar e lemos, nesse estágio de erudição já mencionado, que se apresenta como a Verdade. Depois a analisaremos com a nossa razão, e em seguida é que a colocamos à prova introduzindo a meditação em nossas vidas.
Conforme desenvolvemos “insight” sobre o funcionamento da mente, aprendemos a reconhecer e a lidar com as nossas experiências do dia-a-dia de pensamentos e emoções. Nós descobrimos hábitos imprecisos e inúteis de pensar e começamos a corrigi-los de forma bem natural. Eventualmente, nós somos capazes de superar a confusão que dificulta a visão da consciência naturalmente brilhante da mente. Nesse sentido, os ensinamentos do Buda são um método de investigação, ou uma ciência da mente.

    A religião, por outro lado, tende muitas vezes a nos dar respostas às grandes questões da vida desde o início. Se preocupando em explicar como o universo foi criado, como surgiu o nosso planeta, a imortalidade da alma e etc. Eis aí a grande diferença. Se nos relacionarmos com os ensinamentos do Buda como respostas finais que não precisam ser examinadas, então estamos praticando o budismo como uma religião.

    Nas palavras do Bem-Aventurado:

    Não acrediteis numa coisa apenas por ouvir dizer. Não acrediteis na fé das tradições só porque foram transmitidas por longas gerações. Não acrediteis numa coisa só porque é dita e repetida por muita gente. Não acrediteis numa coisa só pelo testemunho de um sábio antigo. Não acrediteis numa coisa só porque as probabilidades a favorecem ou porque um longo hábito vos leva a tê-la por verdadeira. Não acrediteis no que imaginastes, pensando que um ser superior a revelou. Não acrediteis em coisa alguma apenas pela autoridade dos mais velhos ou dos vossos instrutores. Mas, aquilo que por vós mesmos experimentastes, provastes e reconhecestes verdadeiro, aquilo que corresponde ao vosso bem e ao bem dos outros – isso deveis aceitar, e por isso moldar a vossa conduta.

    Em qualquer caso, ainda temos que viver nossas vidas e enfrentar como vamos fazer isso. Nós não escaparemos da Roda da Samsara só porque adotamos uma "filosofia de vida", isso porque nós somos desafiados todos os dias para escolher uma ação sobre outra - a bondade ou a indiferença, o egoísmo ou generosidade, paciência ou culpa. Quando as nossas decisões e ações refletem o conhecimento que adquirimos ao trabalhar com as nossas mentes, é nesse ponto que estamos adotando o budismo como uma forma de vida.

    Nós preferimos usar as nossas "máscaras", simplesmente porque não estamos acostumados à luz de nossas mentes, nem preparados para concebê-la. Os ensinamentos do Buda, não importa como nós os identificamos, nos mostram como abrir nossos olhos para o brilhantismo.

    O Buda é como um grande rio. Tumultuado pelo tropel de cavalos e elefantes e agitado pelos movimentos dos peixes e das tartarugas; mas sua corrente flui pura e imperturbável com tais insignificâncias. Os peixes e tartarugas de outras doutrinas nadam em suas profundezas e arremetem-se contra sua corrente, mas em vão; o Dharma de Buda continua a fluir puro e imperturbável.

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